28 de junho de 2011

Deus não dá asa a cobra mas abre via de acesso

Eu já havia perdido a conta de quantas vezes minha memória registrou a mesma cena. Era à noite, final de domingo e da sensação inquieta de esperar trocar o conforto de casa pelo banco do ônibus varando noite a fio. Eu nunca consegui explicar o que se passa comigo nessas horas. Vai ver nunca quis, a sensação de pegar a alça da mala pra ir embora me ascende um gosto tão grande pelo desconhecido que o frio na barriga acaba roubando a vez da saudade antecipada. De companhia de viagem marcavam presença meu fone de ouvido, uma jovem senhora e um mero detalhe: minha incapacidade de dormir. Foi o motorista ligar o motor da carcaça e arrancar a primeira pra senhorinha do meu lado sacar o terço do bolso e começar a rezar. Forte. Se desse pra cumprir penitência por osmose, teria pago todos os meus pecados ali na hora. Até porque ouvi um papo nesses dias de que eu estava precisando “encontrar com Deus”. É, marcar um horário, colocar a conversa em dia e agradecer por ter cinco dedos nas mãos e nos pés, essas coisas. Só espero que não tenham pensado nisso de uma forma literal. Vai saber. Somando então 12 horas de estrada com tantas ave-marias do meu lado cheguei à conclusão cartesiana de que isso só poderia ser um sinal dos cosmos pra colocar as pendências em dia e fazer um balanço de resultados no departamento celeste. 

Olhei lá praquele lugar de onde saí e não pretendo voltar, minha cidade natal, Ubá. Ubá é o tipo usual de roça cidade do interior de MG. Igreja, praça, banco da praça, carrinho de pipoca da praça, velhinhos sentados na praça e beatas à espera do juízo final. Eu não sabia muito do mundo além dos das aulas de geografia e programação de férias escolares, porém do alto do meu imaginário infantil desconfiava que pudesse existir vida além daquele perímetro pseudourbano. Não demorou para os anos alcançarem minhas pernas e ficarem para trás junto com a poupança Bamerindus. Você sabe que existiu, foi até legal, mas não teve potencial pra durar. Eu poderia ter ficado lá e feito uma faculdade morando no conforto de casa, eu poderia ter poupado a dor de cabeça dos meus pais (coitados), eu poderia ter arrumado um trabalho qualquer e vivido tranquilamente. Eu poderia não ter crescido. 

Não é bem em cima da via que você deve ficar.

Dizem que oportunidade é a gente que faz. Só esqueceram de avisar que não existe receita pronta, ou seja, por aqui ainda se quebram os ovos. E a cara. Como sorte de ouro não veio no pacote da cegonha, conformismo também ficou pra trás. Era mais fácil convencer um elefante de que ele não pode voar do que manter meus pés no mesmo lugar. Doooois anos foi o tempo gasto para conseguir embarcar num intercâmbio junto com o resquício de proteção caseira. Mal conhecia o significado da palavra independência e já me achava no infame direito de ter domínio sobre a direção do meu nariz. E lá foi a incauta conhecer Tio Sam de mãos dadas com o perrengue. Não satisfeita em quase fazer minha mãe parir um quarto filho, resolvi então girar o mapa em direção à Bahia e me jogar numa experiência maluca, trabalhando num hotel e colecionando horas de sono como figurinhas premiadas. Ainda não contente em ensaiar saudade, vim fincar minhas trouxas nesses belos blocos de concreto de cada dia.

Acabei encontrando no caminho um sinônimo mais legal pra férias do que o sofá da sala. Porque não saber o que vem depois da próxima curva ficou mais gostoso do que o roteiro programado da atoice. Porque, simplesmente, viver ficou melhor que sonhar. Até dividir o espaço com São Paulo pode ter sua recompensa, mesmo que a rotina aperte a sanidade. E foi desse jeito meio torto que eu pude ver o quanto o mundo era maior do que a praça da igreja. A boa notícia era, eu poderia ir sentar no banco de qualquer uma delas. A condição, desde que usasse as minhas pernas pra isso. E olha, não tem regalia nesse mundo que pague uma dose de conquista, ainda que a conta-gotas. Enquanto a galera lá de cima se diverte em testar meus limites, eu apenas aumento o tamanho do elástico.

3 Comentários:

superstar disse...

Amei, Crara! Conhecia este seu talento só superficialmente... Me identifico com sua história e com seu espírito nômade... Keep on posting =)Ianne

Miguel disse...

And she is baaaaaack! ahahah

Mto bom texto!

E puts! Seu texto bateu mto com o que comentei no outro post sobre desviar do óbvio e arriscar. Não esperava por isso!

Acho que todo mundo sente um pouco de vontade de se libertar e conhecer o estranho, desbravar os caminhos desconhecidos. Cedo ou tarde vem essa tal sede pelo novo. Como vc disse: não há nada que pague uma bela dose de conquista.

Agora, já nomeado providência do destino, irei puxar sua orelha sempre que lembrar de visitar o seu blog.
Boa sorte, pois serei chato pra caramba! Valendo lembrar que a culpa é inteiramente sua por isso! haha

Boa noite!

Keep up the good work!

Clara Kümmel disse...

Hahaha e você também, afinal!

Coincidência ou não, acaba sendo inevitável. Sempre ouvi dizer que quando a gente transfere o que tá na cabeça para o papel, mesmo que de um jeito embaralhado, aos poucos as ideias vão dando conta do quebra-cabeça. Então tamos aí, procurando as pecinhas faltantes ou mesmo mudando o desenho!

Volte sempre que puder/quiser/der! pode ser chato, implicante, insistente. eu ligo. bastante.

:)

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