16 de maio de 2013

Sem amor, por favor


Não sabiam o que era, mas de amor não se tratava. Tratavam mesmo de tudo aquilo que lhes interessava, da conversa boa, demorada, deitada em copos de cerveja e fotografias das viagens nunca feitas. Tratavam de um sexo ofegante, quimicamente destrutível, insaciável e incurável, como se não houvesse amanhã. Tratavam do trabalho com o maior dos caprichos, das oportunidades feitas a mão, de desvios e acertos, das dicas arriscadas de quem prova a primeira colher do pote de doce, só pra preencher o portfólio do ego. Tratavam das risadas soltas quando juntos, de procurar motivos bobos, revelando-se em cada um deles aquele sorriso de lado, uma covinha e um olhar sabido, de quem não precisa traduzir o que pensa. Tratavam de se dar bem, enganavam os mais desavisados, burlavam todas as regras, inclusive as próprias. Tratavam a sinceridade com a mais medíocre das verdades, emboladas num discurso econômico, em palavras contidas e mensagens de celular ignoradas. Francamente, DR não estava nos planos. Tratavam de se sobrepor a todo o momento, num xadrez imaginário de jogatinas. Cheque-mate.

Não sabiam o que era, mas de amor não se tratava. Ele, tratava de irritar. De fazer raiva, dar coceira com as piadas idiotas dos mesmos motivos bobos, antes revelados naqueles sorrisos de lado. Tratava de ser imbecil randomicamente, de encher a paciência com o gás do seu ego, tão inflado a ponto de não sobrar qualquer espaço na cama. Ela, tratava de confundir. De misturar as palavras, usando o não dito de camuflagem, com toda a licença poética do drama feminino. Tratava de ser neurótica quando menos poderia ou deveria. De inventar seu lugar no abraço dele, abraço esse que só existia no descanso da cama depois de mais uma noite dividida. E não por acaso desconfiavam tratar-se exatamente disso, de ter esgotado a reserva pra dois. Vai, pode deixar sua credencial aí na mesa mesmo e sair. Apego também não estava nos planos.

Não sabiam o que era, mas de amor não se tratava. Trataram, de repente, de se esquecer, trocados, simples como uma nota de 20 reais. Baratos como aquele humor oportuno dos sorrisos de lado disfarçados. Tratou de ignorá-lo com a leveza do seu desapego, de quem troca a cor do batom e engaveta aquele roxo gasto já sem graça. Nada com um vermelho novo e vivo, ou até um rosinha claro mais aconchegante, não importa, qualquer outro serviria para as noites de inverno. Tratou de conquistar quantas mais fossem, reafirmando seu posto de suposto comando, levantando a guarda e o que guardava por baixo da roupa. Aqui, meu bem, o que você perdeu, ó, tá vendo? Sinceramente, não. E insistência nunca esteve nos planos. Trataram de sumir.

Não sabiam o que era, mas de amor não se tratava. Trataram, um dia, de se reencontrar, jurando o menor dos apegos. Uma cerveja, pra ficar pensando melhor. Trataram de todos os assuntos corridos durante o vácuo da distância daqueles últimos meses. Ou foram anos? Não importa, parece que ninguém havia mexido naquela mesa com a credencial, ou mudado a posição dos pensamentos. Os mesmos motivos, os mesmos sorrisos de lado, os mesmos olhares sabidos e as mesmas jogatinas. Estavam todos lá, cobertos por um tempo empoeirado, mas ainda tão presentes. Trataram de pagar a conta e se apressar enquanto a noite os desafiava a dividirem o tesão, uma vez mais. Pelo bem de hoje. Vai meu bem, só por hoje, deixa a gente se tratar, eu quero te sentir. Sabe, mesmo que o amor não esteja nos nossos planos, você, assim, de corpo e alma leve, sempre esteve.

touché!
Nota: esta é uma crônica experimental, pra variar dos posts pessoais.

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